Cerca de 150 lideranças e jovens que se consideram atingidos pela cadeia de mineração e siderurgia ao longo do Corredor de Carajás voltaram a se encontrar, de 5 a 7 de julho, em Parauapebas e no IALA, no V Encontro Regional dos Atingidos pela Vale.
O coletivo aprofundou prioritariamente a reforma do Código de Mineração, em tramitação no Congresso Nacional, denunciando a exclusão da sociedade civil organizada de qualquer debate e contestando veementemente o regime de urgência imposto ao debate parlamentar, também com um ato no centro da cidade de Parauapebas.
“As empresas tiveram quatro anos de tempo para
negociar com o Governo as características da nova lei, não aceitamos que
esse regime de urgência nos obrigue a debater o Código somente em
noventa dias de tempo!” – comentou Sislene Costa, da rede Justiça nos
Trilhos.
O novo Marco Legal da Mineração em
tramitação no Congresso ignora de fato a presença de comunidades e os
impactos provocados contra elas. “É como se o Brasil estivesse tirando
minério do deserto” –comenta Mikaell, um dos jovens do movimento
Juventudes Atingidas por Mineração.
Encontro dos atingidos
Estavam presentes no encontro várias lideranças dos
assentamentos e acampamentos de Parauapebas e Canaã de Carajás (Pará),
impactados pela duplicação da ferrovia de Carajás, a nova mina S11D em
fase de abertura e o novo ramal ferroviário de 100Km para garantir o
acesso a essa mina.
Igualmente atingidos pela nova ferrovia de Carajás em
construção, estavam comunidades e lideranças de Marabá-PA e dos
municípios maranhenses de Açailândia, Buriticupu, S. Rita, Anajatuba,
Itapecuru Mirim, São Luís. Na capital maranhense acrescentam-se os
impactos sobre as comunidades de pescadores, provocados pela ampliação
do porto de escoamento de minério, Ponta da Madeira.
Não faltaram também as lideranças de
Piquiá de Baixo, periferia açailandense gravemente atingida pela
poluição das empresas siderúrgicas e da Vale.
Na mesma semana do encontro, houve pelo menos três
interrupções do trem de minério da Vale, com ocupações dos trilhos por
parte de povos indígenas e comunidades urbanas. O descontentamento das
comunidades atravessadas pelo trem da Vale cresce a cada dia; nem a
empresa nem o Estado estão conseguindo garantir dignidade e respeito aos
cerca de dois milhões de moradores da área de influência da ferrovia.
Impactos da mineração
Cada encontro dos atingidos amplia a
noção de impactados pela mineração: não se trata somente das pessoas
mais próximas à mina, precisa considerar também os problemas causados
pela ferrovia inteira, a construção do novo ramal ferroviário, as linhas
de energia, as estradas de acesso à mina e a todas as novas
instalações, a utilização de água para as obras e a poluição das bacias
hidrográficas, o sistema siderúrgico, ambiental e socialmente agressivo,
instalado no bojo do Programa Grande Carajás.
“A nova mina S11D, que recentemente recebeu licença
de instalação, é fruto de uma fortíssima concentração de esforços
políticos, financeiros e humanos da empresa Vale” – comenta Raimundo
Gomes, do CEPASP Marabá. “A partir dessa licença, vão começar grandes
obras e fortes impactos na região de Parauapebas e Canaã de Carajás”.
Com os ritmos de exploração previstos a partir de
2015 (240 milhões de toneladas de minério de ferro por ano), a inteira
mina de Carajás desapareceria no breve tempo de 60 anos. “Com isso,
desapareceria também um patrimônio ecológico e biológico único ao mundo,
a savana metalófila, exemplo raríssimo de caatinga no meio da floresta
amazônica” – explica o biólogo Frederico Martins em recente artigo
publicado pela revista Não Vale.
Enquanto isso, a nova licença de instalação da mina
vai trazer novos impactos. Os moradores do assentamento Palmares 1
lembram ainda dos velhos: “Dez anos atrás várias mulheres grávidas
perderam seus filhos pelas explosões na mina de cobre. Ninguém avisava,
acontecia tudo de repente. Muitas vezes marcamos reunião com a Vale para
denunciar e pedir providências, eles prometiam que iam enviar uma
equipe médica, mas empurravam com a barriga e nunca aconteceu nada. As
explosões rachavam as casas, umas até caíram, uma pessoa que estava
dentro de casa até se machucou…
Quando a área ficou pronta para a extração de cobre,
eles utilizavam produtos químicos com um cheiro tão forte que adoecia as
pessoas, especialmente quando o vento soprava na direção do
assentamento.
Vários companheiros foram mortos atropelados pelo
trem, fora animais e gado. Agora querem construir o novo ramal, nosso
assentamento está a 300m da linha atual e 1000m da nova. A Vila Palmares
vai ficar cercada por essas duas linhas. Como vamos viver nesse barulho
e perigo?”.
A Vale tem pressa
A Vale tem pressa de resolver o acesso à sua nova
“mina de ouro”, o projeto S11D, que vai garantir sozinho a exportação de
90 milhões de toneladas de ferro por ano. O problema é que, entre a
mina e a ferrovia de Carajás, onde deverá ser construído o ramal
ferroviário de conexão, existem comunidades rurais assentadas e
produtivas.
O conflito existe há vários meses. Lideranças do
assentamento Carajás 2 (com 79 famílias) e Nova Esperança (com 80
famílias) relatam ter recebido despejos violentos pela polícia e, em
seguida, ameaças de pistoleiros. Suas casas foram queimadas, bem como a
produção agrícola. “A Vale quer nos despejar e propôs de nos realocar no
município de Moju, a 500 Km de distância! Eles vão ter que roer muita
rapadura para tirar nós daí!” – protestam os assentados.
No município de Canaã dos Carajás a Vale comprou mais
de 125 lotes de assentados. As associações produtivas acabam ficando
enfraquecidas e desacreditadas.
O presidente do STTR local, José Ribamar, relata que
vários associados vendem suas terras e abandonam o local, para voltar
meses depois para Canaã, sem mais terra: “Vêm varrer ruas na cidade,
sendo que eram pioneiros da região”.
A cidade de Canaã cresceu absurdamente. “Está agora
com 150mil pessoas, os produtos para nossa sustentação vêm de fora, pois
ninguém está produzindo. Não há planejamento, é pura sobrevivência”,
conclui o presidente.
Todas as comunidades ao longo dos trilhos são
unânimes em lamentar os numerosos impactos provocados pelo barulho, as
vibrações e a frequência das passagens dos trens. “A empresa considera a
ferrovia como propriedade particular. O que acontece na faixa de
domínio é dela e não há interesse em dialogar sobre isso com as
comunidades”, relatam os moradores.
O tema da segurança nas travessias é
muito comum e foi motivo de diversos protestos nos municípios ao longo
dos trilhos. As comunidades exigem viadutos nos locais onde precisam
atravessar em segurança.
Em muitos casos, porém, falta diálogo da
Vale com as comunidades, não está claro se e onde serão construídos
túneis e viadutos e há conflitos a esse respeito.
As prefeituras municipais têm muito
poder na relação com a Vale, nesse momento em que a empresa precisa de
alvarás municipais para a execução das obras de duplicação da ferrovia.
Cada prefeitura poderia suspender os
alvarás até quando não forem garantidas pela Vale condições de segurança
e dignidade para as comunidades de seu território.
“Para nós pobres, brigar com a Vale sozinhos é como
querer cortar a pedra com um machado”, afirmam os assentados. Entendendo
que precisa fortalecer as vítimas desse modelo, lideranças de vários
estados do País estão agora se organizando num movimento nacional e
unitário, o MAM, Movimento dos Atingidos por Mineração.
Ao longo do mês de julho estão previstas
várias mobilizações no território nacional. Prioridade absoluta, nas
próximas semanas, é a eliminação do regime de urgência no debate sobre o
Marco Legal da Mineração.
Padre Dário
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