segunda-feira, 9 de junho de 2014

Novos e Velhos conhecido na Luta de Classes na Amazônia

Reportagem de Márcio Zonta, Jornal Brasil de Fato

“Só nos sobra rato e mau cheiro na periferia de Marabá”, a frase do jovem Maciel Silveira explicita o descontentamento e as condições do que é viver ás margens da cidade economicamente mais importante do sul e sudeste paraense.

Porém, para ele tal sofrimento, por viver precariamente na cidade, pode estar cessando. Junto a outros três jovens embarcou na manhã do último domingo, num dos ônibus de uma caravana, que levaria mais de mil famílias para ocupação de duas fazendas no sudeste do Pará.

“Aqui vou botar roça, montar meu barraco, ajudar minha família, conquistar a terra, progredir!”, diz ao romper sua primeira cerca num dos maiores latifúndios do Pará.
Se a grande imprensa, braço direito do agronegócio, insiste na falácia de que o campo não dá dignas condições para famílias e por isso o abandono, sobretudo, dos jovens da área rural é inevitável, essa recente ocupação de terras em Marabá mostra ao contrário.

As famílias que adentraram a terra são oriundas das principais periferias de Marabá. Maciel, por exemplo, vem de um bairro distante do centro urbano, chamado Morada Nova.
“Só tive trabalho ruim, acho que até escravo já fui, trabalhei em carvoaria clandestina, que tinha que se esconder quando a fiscalização aparecia, já trabalhei em frigorífico, o pior de todos e, até em fazenda roçando pasto e cuidando de gado”, conta amargamente.

Antigos inimigos

Agora Maciel passará a perceber, com sua primeira ocupação de terra, que a luta de classes na Amazônia, sempre coloca frente a frente velhos e novos conhecidos.

A fazenda Santa Tereza é uma transição histórica, servindo de propriedade aos diferentes compadres latifundiários do Pará. Seu primeiro grileiro são os temidos Mutran, antes donos das terras que margeiam a pista de Marabá a Eldorado de Carajás, mais de 150 km pela PA 155.

Após devastar o maior polígono de castanhas da história do Pará, em Marabá, a família teve sua hegemonia quebrada por diversos fatores, entre eles as ocupações do MST em suas terras, como as fazendas Peruana e Cabaceiras, em Eldorado dos Carajás e Marabá, respectivamente.

Do mais, conforme a oligarquia dos Mutran foram perdendo força, as terras foram repassadas ao grupo Santa Bárbara do banqueiro e testa de ferro do capitalismo financeiro internacional, Daniel Dantas e também para Rafael Saldanha de Camargo, no caso a Fazenda Santa Tereza.

Daniel Dantas dispensa apresentação pela extensa ficha criminal conhecida, mas Rafael Saldanha de Camargo não. “Dono de metade de Parauapebas” como costuma dizer o senso comum local, é um dos principais empresário da região.

È proprietário da Construtora e Incorporadora Nova Carajás, responsável por levantar condomínios fechados na segregada Parauapebas da noite para o dia. Só nos últimos anos lançou mais de 20 mil unidades comerciais e residenciais.

Apenas num leilão de lotes de terras da gigantesca Fazenda Primavera em Parauapebas, faturou 2 milhões de reais. Outro empresário renomado da região, Júnior Branco, dono da White Tratores lhe fez elogios à época num jornal de Parauapebas e revelou um de seus sócios. “O Rafael Saldanha está de parabéns pela qualidade da exposição, isto justifica a parceria da fazenda Primavera com o renomado Joaquim Roriz”, disse o amigo.

Rafael Saldanha é cúmplice de Joaquim Roriz, ex governador do Distrito Federal. O mesmo que anos atrás foi denunciado pelo Ministério Público do Distrito Federal como chefe de esquema de corrupção no Banco de Brasília (BRB).

Na ação, os promotores do Núcleo de Combate às Organizações Criminosas (Ncoc) sustentam que o grupo político de Roriz utilizou o BRB para desviar recursos de contratos públicos, lavagem de dinheiro e para atender a interesses privados.

Para o Ministério Público, os crimes de peculato e dispensa ilegal de licitação seguiam a uma determinação superior, de Roriz.

Assassino

Entretanto, “quem bate sempre esquece, mas quem apanha não”, frase da filosofia popular. Dessa forma, o MST do Pará não esqueceu que Rafael Saldanha de Camargo, é réu na ação penal pela morte de Onalício Araújo Barros (Fusquina) e Valentim Silva Serra (Doutor) assassinados pela articulação do grupo de fazendeiros, ao qual Saldanha faz parte, em 26 de março de 1998.

A juíza de Parauapebas, Maria Vitória Torres do Carmo, decretou após as primeiras investigações do assassinato, a prisão provisória dos fazendeiros Rafael Saldanha do Camargo e Geraldo Teotônio Jota, o "Capota", acusados de cúmplices nos assassinatos dos dois líderes do MST.

Porém, o Estado como parte desse coletivo capitalista-latifundiário local nunca cumpriu a determinação e a ação penal contra os fazendeiros está prestes a prescrever.
“A morte de Fusquinha e Doutor será vingada, com a reforma agrária no Pará”, afirmação de diversos dirigentes históricos do movimento, como Jorge Néri.

Cosipar

Se o MST encontra com aqueles que tentam ser seus algozes pelas esquinas amazônicas frequentemente, Maciel encontrou com um de seus carrascos no passado nesse domingo ao fazer seu barraco de lona na Fazenda da Companhia Siderúrgica do Pará (Cosipar).

Uma extensão de 10 mil hectares de terras altamente desmatada e abandonada com plantação de eucaliptos.

A Cosipar, segundo a pesquisa e a apuração do Ibama, antes de ser fechada, usava carvão advindo da devastação ambiental e do trabalho escravo, explorados em carvoarias clandestinas de Marabá e Ipixuna do Pará.

Pelos cálculos do órgão, nos últimos quatro anos as siderúrgicas foram responsáveis pela destruição de 27,3 mil hectares de floresta Amazônica. Foram responsabilizadas a Sidepar, a Cosipar e a Siderúrgica Ibérica.
“As siderúrgicas fomentam o desmatamento da floresta amazônica em todo o sul e sudeste paraense para obter o carvão que precisam, acobertando essa origem irregular com Guias Florestais fraudadas", afirma o chefe da Divisão de Fiscalização do Ibama em Marabá, Luciano da Silva, que coordenou a operação Saldo Negro, que desvendou o esquema.

O jornalista Marques Casara diz que o problema é conhecido desde 2004 quando publicou o primeiro estudo sobre o trabalho escravo no Pará. Em 2011 o jornalista voltou a realizar novas investigações na região, lançando "O Aço da Devastação", publicada em junho de 2011 pela revista do Observatório Social.

Na oportunidade detectou que a mineradora Vale estava envolvida no esquema. "O fiel da balança é a Vale S/A, que assinou um acordo com o Ministério do Meio Ambiente em 2009, anunciando que não forneceria mais minério de ferro para essas siderúrgicas. O acordo não está sendo cumprido", afirma.

A história volta a confrontar as classes: A Vale, que abastecia a cadeia de produção de Aço que tinha
 a Cosipar, como cliente, que por sua vez explorava o trabalho escravo de Maciel, é quem financiou um dos maiores genocídios de camponeses no Pará, o Massacre de Eldorado de Carajás, em abril de 1996.

Maciel, agora do MST, tem a possibilidade de reconhecer sua classe, bem como lutar com ela e por ela. Na primeira noite no acampamento já sentiu que a tarefa será árdua, quando da movimentação de pistoleiros por toda madrugada ameaçando as famílias.

Porém, um acampamento que nasce com o nome de Hugo Chávez, esse com uma extensa lista de benfeitorias à sociedade, tem tudo para perpetuar.